Teu nome
Abri os olhos e despertei para a vida.
Sua mãe dormia.
Olhos fechados, mas eu os imaginava: será que você teria o verde da íris dela?
Acordei meio Paulo Mendes Campos. Não consigo entender – o tempo, a morte, seu olhar. O tempo é muito comprido, a morte não tem sentido, teu olhar me põe perdido.
Queria te contar que ontem descobrimos teu sexo. Sabemos até teu nome.
Imagina só! Sua mãe já tinha ideia exata. Por mim a gente podia esperar você crescer e te deixar escolher.
Lembrei daquele conto que não lembro o nome em que o personagem diz – “Eu não me chamo, não. Os outros é que me chamam de Zé”.
Nome é coisa muito séria.
Queria te entregar essa energia.
Sua mãe me disse que significava “urso forte”. E não é que tinha sonoridade mesmo?
Mas o que me convenceu foi uma mensagem da sua avó. Ela mandou um beijinho pra Gê e pro Bê.
Pensei em você, no ventre da sua mãe. Sem imaginar nada do que acontece fora. No seu mundinho protegido. E a gente aqui, te chamando pelo apelido. Como se você já tivesse ali, sentado na mesa, comendo macarrão. A boca meio suja pra eu limpar. Chamando pra brincar, correndo pra me amar.
Senti você tão presente naquele apelido que percebi: a escolha não era minha mesmo. Era sua. Você estava me dizendo como queria se chamar.
Sabe filho, eu nunca fui da reza. Aquela decoradinha antes de dormir. Depois que você chegou, filho, eu rezo sim.
Foi numa terça qualquer. Dia desses. No escuro do quarto, vazio de palavras, repleto de sentido. Mão na barriga dela. Mão em você. Rezei sim. E ainda vou rezar muito.
Ali, a Deus, em silêncio gritei: é menino!
E você me sussurrava: prazer, Bernardo!
Repeti a prece de todo dia: amar é estar em casa.
Amém.
Seu pai.